sábado, 3 de julho de 2010

Sem aviso

Tanta coisa que eu não sabia. Nunca tinham me falado, por exemplo, deste sol das três horas. Também não me tinham falado deste ritmo tão seco, desta martelada de poeira. Que doeria, tinham me dito. Mas que o passarinho que vem para minha esperança do horizonte abra asas de águia sobre mim, isso eu não sabia. Não sabia o que é ser sombreada por grandes asas abertas, um bico de águia inclinado rindo. Quando nos albúns de adolescente eu respondia com orgulho que não acreditava no amor, era então que eu mais amava. Também não sabia no que dá mentir. Começei a mentir por precaução, e ninguém me avisou do perigo de ser precavida, e depois nunca mais a mentira descolou de mim. E tanto menti que comecei a mentir até a minha própria mentira. E isso - já atordoada eu sentia - era dizer a verdade. Até que decaí tanto que a mentira eu a dizia crua, simples, curta: eu dizia a verdade bruta.

Clarice Lispector

Nenhum comentário: